Desafiante da Semana: Adriano Antunes.
Tema:
A reputação é uma frívola e falsíssima fantasmagoria; muitas vezes se adquire sem mérito e se perde sem culpa.
(Iago, segundo ato, cena 3 - Otelo, Shakespeare)
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De Wolney Fernandes, Rótulos de Fantasmagorias.
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De Adriano Antunes, Imprudências Desejadas.
“Não, sem dúvida, ela não tem, como nossas coquetes, esse olhar artificial que algumas vezes nos seduz, mas que sempre nos engana. Ela não sabe encobrir uma frase com um sorriso estudado.”
(As Ligações Perigosas – Choderlos de Laclos)
Vestida de Diana, ela foi à caça. Cabelos soltos, revoltos, em desalinho programado. A cintura mostrava com precisão os delírios que aquele corpo poderia oferecer. Promessas na carne exposta entre o cós da calça e a blusa curta, justa, que acariciava os seios perfeitos.
Montou no rosto seu melhor sorriso, angulou a sobrancelha, atirou o cabelo por cima dos ombros entrando no bar com desenvoltura profissional. Subiu os degraus da escada em direção ao ambiente reservado. Centenas de olhos seguiram seus movimentos e satisfeita saboreou seu poder. Corpos se acotovelaram em paredes geladas abrindo espaço para a Vênus que, atrevida, distribuía olhares e sorrisos de panfletos.
O salto nem havia abandonado o último degrau e uma taça lhe foi ofertada sendo rapidamente aceita por ela. Diana sabia que seria mais fácil após algumas taças. E foi.
A música embalava conversas divertidas. As pessoas articulavam com fluidez. Olhares eram trocados, uns discretos, outros insistentes. Ela, rodeada de admiradores, tentava mantê-los hipnotizados com seus encantos de sereia. Seu canto era o perfume que exalava e que animava o jogo. Todos tentavam saber quem era a desconhecida, inclusive ele, mas diferente dos outros, manteve-se afastado.
Entre conversas, mirava a estrangeira com desejo e timidez estudada. Parecia, também, um profissional. Estava marcado o duelo e ela, como fêmea que era, insinuava o desejo de ser domada, mas antes do fato, pretendia divertir-se com a manipulação do tempo. Foram muitos os roçares, os toques descuidados, os olhares cúmplices e as promessas sugeridas, mas para manter a emoção, prolongaram a expectativa.
Uma nova taça de champagne, meia dúzia de risos pueris, um morder de lábios e ela sucumbiria ao encanto do jovem rapaz sem culpa.
Adaptaria seus planos. Aproveitaria o interesse do galanteador, desfrutaria de seu corpo, e como um competidor, abandonaria a caça. Como troféu, levaria consigo as súplicas por um segundo encontro que, isso ela sabia bem, jamais aconteceria.
Ele estufou o peito, ajeitou a camisa, traçou com os olhos uma linha imaginária até ela e começou a andar. O coração de mulher que nela vivia, e que naquela noite havia feito as malas para curta viagem, resolveu ficar estacionado na saída de emergência: o estômago. As pernas ficaram inquietas ao vê-lo chegar tão perto, tão determinado.
Nesse instante, separados por pouco mais de um passo, uma mão delicada retirou a ponte que ligava os olhos dele aos lábios dela, puxando a atenção para si.
Como quem acorda de um transe, viu ao seu lado uma linda jovem que, sem perceber o que acontecia, traduziu em um beijo todo o afeto que sentia, e ele, imediatamente retribuiu à altura.
Ainda sedento de desejo, continuou a mirar Diana por cima do ombro da amada. A pele morena na qual ele apoiava seu queixo escrevia a palavra "meu" em cada centímetro do ombro perfeito.
(...)
Diana, sereia, não canta, não mais encanta, mergulha.
(...)
Deu por finda a caçada. Sem glória, mas ainda majestosa, desceu a escada com a mesma desenvoltura e o mesmo alarido da subida. Partiu na noite escura, desfazendo sua silhueta nas sombras e deixando a dúvida de sua presença.
Em lençóis, de branco óptico, Diana dorme o sono dos puros. Ao lado da cama, em cima da poltrona, as armas usadas na batalha. Vê-la assim, trança no cabelo, camisola de dormir, rosto nu, torna impossível crer no que seja capaz de fazer.
E, por certo não o faz, não por medo, por pena ou consciência, mas porque consumar a conquista seria a obrigatoriedade do prêmio, e para ela, saber que ele esteve tão próximo de arriscar tudo, e iria fazer; tinha certeza, mesmo amando o amor moreno, lhe satisfez por completo.
(...)
Embalada por seu canto de sereia, Diana adormece em sono de Vênus.
(.)